31 de janeiro de 2012

CONTOS CURTOS ENTRETECIDOS, MAS NEM TANTO

(Dedicado ao meu filho Pedro.)

1. Cheio de razões, disse aos amigos, no botequim do mercado municipal, que a mulher "pegou" Parkinson e, por isso, a trocou por outra. Com esta, no entanto, reclamou falta de entusiasmo no lesco-lesco. Faltou uma tremurinha, disse ele. Só se eu tivesse Parkinson, ironizou ela, inocentemente. Sem saber da doença da esposa.

2. Acometida pelo mal de Parkinson, embora ainda nova, foi deixada de lado pelo traste do marido, que vive na sua aba. Soube pela vizinha que ele anda de acochambrações com a moça da quitanda, após os bailes no clube onde canta. Botou-o para baixo da casa, para o porão onde se guardam trecos já sem serventia. Agora, nem em cima na casa, nem em cima dela, dois territórios proibidos.


3. Seu galo madrugador, cantador de muitas alvoradas, foi comido com macarrão pelo filho do vizinho aporrinhado, numa Terça-feira Gorda. A receita até saiu na Internet. Agora a sem-vergonha da sua galinha voa sobre a cerca, para pôr ovos no quintal do desafeto. Cortou-lhe as asas, mas a ingrata arranjou jeito de passar por um buraco entre os bambus, para continuar a contrariá-lo.


Retrato mal-falado da penosa, no momento
em que depositava o ovo no quintal do vizinho.
(em luizberto.com)

4. Ele, muquirana como o vizinho. Os dois se merecem. Aí a galinha do outro deu de pôr ovos num cantinho do seu quintal, atrás do galinheiro desativado. Um hoje, outro ontem, mais um anteontem. Já comeu quase uma dúzia: estrelado, gemada, omelete e até fez bolo. Manda a empregada dar apenas água à caridosa penosa e a enxota de volta, após a postura. O dono que lhe dê ração! Quem mandou?

5. Às quintas-feiras, emplastra o cabelo com brilhantina Royal Briar e vai soltar seus doridos trinados nos bailes do Clube Recreativo Operários Anarquistas, cantando boleros e dores de cotovelo diversas, acompanhado pelo Regional Sequazes de Bakunin. Não desafina, não atravessa e não transige nas notas musicais e nas orientações ideológicas. Só promove anarquia em sua vida!

6. Soube que a mulher o traía com o cobrador do ônibus que pegava todo dia de manhã, para ir ao trabalho na Praça São Salvador. Ele achava que a mulher ia despedir-se dele no ponto. Coitado, iludido! Aí botou fogo no barraco e cortou os pulsos com caco de vidro imundo. O fogo foi debelado, e ele, socorrido a tempo. De consumado mesmo, só a traição. O resto, tudo muito mal feito!

7. O padre da paróquia ficou horrorizado ao saber que o cantor de voz potente, brilhantina nos cabelos, que no coro da igreja entoa contrito a Ave Maria de Gounod, canta boleros cubanos no Clube Recreativo Operários Anarquistas, desfruta dos contornos da moça da quitanda e  abandonou a pobre mulher acometida de Parkinson. Só falta ser o dono bobão da galinha que põe ovos no quintal do vizinho!

8. Quando a mulher chegou tarde ao barraco, no Parque Bela Vista, o que não encontrou chamuscado encontrou encharcado. Os vizinhos correram com baldes d'água, que, contudo, não lavaram algumas manchas de sangue do chão. Quem foi, quem não foi? Mataram algum porco aí? Ai, meu Deus, quem queimou minha casa?  Só depois soube que fora o traste do marido, moedor de cana na lanchonete no centro da cidade. O cobrador do ônibus não faria um horror desses!

9. A galinha, depois que seu marido fora devorado com macarrão pelo rapaz do lado, resolveu pôr ovos no quintal do carrasco. Às outras colegas poedeiras disse que era vingança contra o dono, que incentivou o galo com os trinados de cantor de boleros, que ele ensaiava sempre às quintas-feiras. O pobre galo o acompanhava, até que irritou definitivamente aquele vizinho assassino, mas muito bom cozinheiro.

10. A moça da quitanda foi chamada ao telefone. Do outro lado da linha era a outra, ou melhor, a esposa do cantor de boleros, a voz trêmula. Ouviu muitas e péssimas! Calada ouviu, calada ficou. À noite, ao encontrar com ele, chamou-o disso e daquilo. Havia mentido para ela, dizendo que ficara viúvo e, como consolo, passara a cantar boleros no Clube Recreativo Operários Anarquistas, em frente à Praça Dona Ermelinda. Um traste mentiroso!

11. Sem uma e sem outra, resolveu pedir perdão à mulher que estava com Parkinson. Ela, dona de tudo: do canapé da sala à casa em que moravam, presente de seu pai, quando dera o mau passo de se casar com ele, contra todas as opiniões familiares (Até o cachorro dela rosnava quando ele entrava em casa.). A mulher não quis nem saber. Disse-lhe para procurar o advogado da família, que já estava com os papéis do divórcio para assinar. Em cima de mim e da casa, jamais! E mandou-o de volta para o porão de trecos inservíveis, até que fosse definitivamente removido de sua vida.

12. Ao reclamar com o empregado da casa que este estava gastando muitos palitos de fósforos para fumar, levou pelas platibandas ofensa não prevista na CLT, tal qual a de que “no dia em que você botar alguma coisa dentro de casa, pode reclamar; caso contrário, aguente”. Nem teve autoridade para dispensar o abusado, pois quem sustenta a casa é a mulher que “pegou” Parkinson, e sua galinha não anda pondo ovos que possa vender. O cachê de cantor de boleros gasta na mesma hora com a morena da quitanda e com potes de brilhantina Royal Briar.


Nenhum comentário:

Postar um comentário